Nos primeiros dias do ano, 43 municípios já não têm mais como honrar seus pagamentos. Para especialista da FGV, falta de planejamento e irresponsabilidades administrativas são os grandes problemas
Em 2017, 43 municípios já decretaram estado de calamidade financeira só nos primeiros 27 dias do ano. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), outros 73 municípios decretaram estado de calamidade financeira desde o ano passado. Além disso, 324 municípios afirmaram que ainda pretendem decretar calamidade financeira nos próximos dias.
Decretar calamidade é um ato formal e político de se comunicar à sociedade e ao governo federal a situação financeira de um município. Por meio desses decretos, ficam vedadas quaisquer despesas que dependam de recursos próprios, como novas obras, investimentos e novas contratações.
Além disso, o município pode também passar por cima da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e deixar de fixar limites para despesas com funcionários e não pagar a dívida pública. Os decretos têm a durabilidade média de 120 dias e podem ser prorrogados.
Cidades como Coronel Fabriciano, Petrópolis, Montes Claros, São Gonçalo, Volta Redonda, Sete Lagoas, Uberlândia, Marabá, Jaguaruna, Catanduva, Angra dos Reis, Hortolândia, Arraial do Cabo e Pirassununga foram algumas delas.
“Essa situação de calamidade também permite a transferência extraordinária de repasses do governo federal e do governo estadual para ajudar as prefeituras. Em geral, as prefeituras no Brasil têm baixa capacidade de arrecadação. Boa parte dos municípios vivem do repasse do fundo de participação dos municípios. O que acontece é que esse dinheiro é formado em grande parte pelo IPI e pela arrecadação de imposto de renda, que, por causa da crise, diminuíram muito. A queda do repasse resultou numa queda muito grande do orçamento das prefeituras”, explica Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes, professor de Gestão Pública da EAESP-FGV.
O especialista lembra também que, como essas prefeituras não têm capacidade de arrecadação, seria interessante que os prefeitos aumentassem o recolhimento de impostos como ISS e o IPTU para não ficarem presos aos repasses do FPM, mas que o custo político é grande e por isso essa estratégia acaba não sendo usada, principalmente no inicio de um novo mandato. “Como eles não querem esse custo político, acabam declarando calamidade financeira e atribuem os problemas financeiros à crise, permitindo a possibilidade da chegada dos repasses estaduais e federais. Mas os repasses não são certos. Aí vem a decisão política do governo federal e estadual de auxiliar aquele governo e aí vai depender da força política daquele prefeito e de determinada cidade.”
Desequilíbrio entre receitas e despesas, dificuldades com pagamentos de funcionários e fornecimento de serviços essenciais, como saúde e educação, acabam levando o caos para as cidades com calamidade financeira.
“É geral a falta de capacidade administrativa e, sem dúvida nenhuma, ela foi uma das condições fundamentais para explicar esse estado precário em que boa parte das prefeituras se encontram. Uma gestão equilibrada, por exemplo, quando sabe que vai vir um período de crise, cria um fundo para os dias ruins e isso quase não existe no Brasil. Simplesmente vai se administrando a curto prazo. Mutias vezes, entregam prefeituras quebradas para os próximos gestores. O planejamento é imediatista e muito curto. Crises acontecem, essa não é a primeira e não vai ser a última, e quando não tem preparo, acontecem essas coisas”, lembra.
Um outro ponto destacado pelo professor é a dinâmica da política brasileira. Para muitos prefeitos, é desinteressante fazer políticas, principalmente econômicas, que vão gerar resultados depois de dez anos e não depois dos quatro anos de mandato. “Eles querem fazer algo rápido para ter resultados e poderem ser reeleitos. Essa estrutura de certa forma inibe o planejamento de longo prazo e premia o planejamento de curto prazo. Muitas dificuldades, como a que estamos vivendo atualmente, existem porque não se faz planejamento. Eu nem vou dizer que não existe uma cultura de planejamento porque vai além disso, falta um conhecimento técnico”, afirma.
Para o professor, os grandes passos para a reestruturadas das contas das cidades seriam “qualificar melhor seus quadros de planejamento e ter uma atenção permanente com costas e os investimentos”: “Quando você planeja, você consegue reduzir os erros e reduzir os gastos. Por falta de coordenação, você não consegue aproveitar melhor as estruturas administrativas que você tem. São coisas que tendem a ter resultados muito bons, mas que demoram. Então se essa cultura de planejamento a curto prazo não terminar, os repasses para os decretos continuarão sendo um alívio passageiro e todos os problemas financeiros voltarão novamente”, conclui.
Fonte: Laíssa Barros